ALZIRA E (2007)
Alguns discos que fizeram história, os melhores deles, têm a característica comum de revelar muito pouco de seus próprios significados nas primeiras audições. Nesse contato inicial, eles apenas indicam os caminhos (não raras vezes prazerosamente tortuosos) que, depois, deverão levar o ouvinte a uma interpretação mais “definitiva” da mensagem. Nada é óbvio e novas pistas escondidas nos jogos de palavras e sons se insinuam cada vez que se coloca o disquinho para tocar. Quem estiver em sintonia, saca o recado e vai recolhendo peças para completar o grande quebra-cabeça. É esse o barato do negócio.
Os discos de Alzira E costumam ser assim. Eles crescem e revelam elementos inesperados a cada audição, a cada assobiada. Foi assim durante todo o tempo em que a compositora, cantora e instrumentista sul-matogrossense se associou ao genial Itamar Assumpção. Ou quando, em 2005, reuniu em disco o resultado de seus 15 anos de parceria com a poeta paranaense Alice Ruiz. E é assim agora, nesta fase novíssima de sua carreira, na qual e desenvolve um novo lote de canções a quatro mãos com o poeta paulistano arrudA.
Artista independente por natureza (e muito antes disso se tornar quase uma regra no nosso mercado de música), Alzira E vem desenvolvendo uma trajetória muito particular na cena paulistana desde os anos 80. Conheceu o novo parceiro em junho de 2005, numa oficina de haicai ministrada por Alice Ruiz.
ArrudA, autor do blog saudadedopapel.zip.net. , faz poesia desde que aprendeu a escrever . Filho da poeta Eunice Arruda, ele tem, nesse trabalho com Alzira E, sua estréia como compositor. “Quando fizemos as primeiras dez músicas, arrudA se entusiasmou e me sugeriu que transformássemos aquilo em um disco”, ela relembra. “Eu avisei: ‘Se a gente for gravar mesmo, temos que ter pelo menos umas trinta’. No final de 2005, já tínhamos feito trinta.”
Entraram em estúdio no começo de 2006 e ficaram gravando até o meio daquele ano. Gravações encerradas levaram o material para Zélia Duncan, que topou na hora lançá-lo por seu selo, Duncan Discos. Antes mesmo de o disco sair, a parceria já havia emplacado frutos por aí: “Chega Disso” está no DVD que registra o show Pré Pós Tudo Bossa Band, de Zélia Duncan; Maria Alcina registrou “Colapso” em seu disco novo; Jerry Espíndola pescou três canções desse lote para seu próximo CD. A produção não pára. “Quando me junto com arrudA, acontece um jorro musical. Dez anos atrás, eu batalhava para fazer uma música, tudo era fruto de dificuldade. Fazia seis canções por ano e me dava por satisfeita. Mas agora descobri qual é a minha lógica e estou fazendo uma exploração do que acabou se estabelecendo como ‘minha música’, resume Alzira.
Com produção musical de Luiz Waack (que também assume alguns violões), o álbum conta com o talento de jovens músicos como Curumim (bateria), Pedro Marcondes (baixo) e Adriano Magoo (sanfona e teclados). Além da canja quentíssima de André Abujamra, que recebe um Itamar Assumpção de frente em seus vocais em “Kitnet”. A cuidadosa arte gráfica de capa e encarte ficou a cargo de Erica Valente, com fotos feitas por Feco Hamburger.
Pronto: este é o “capítulo 1” da história dessa parceria e do primeiro álbum gerado por ela. “É um trabalho que vem carregando duas pessoas, não são duas pessoas que vão carregando um trabalho”, Alzira explica. Deu para entender? Mais do que isso, só ouvindo o disco. Muitas e muitas vezes, cada vez com mais prazer.
músicas de Alzira E & arrudA